CELSO FURTADO E AS ESTRUTURAS DO PODER MUNDIAL NOS ANOS 80: SERÁ QUE O BRASIL DE 2012 CONTINUA ASSIM? - 1
NEUZA MACHADO
“O avanço político, que é o mais difícil e importante de todos que logra o homem, faz-se aprendendo a administrar conflitos. Daí que só as sociedades democráticas o realizem com segurança. Trata-se de manter a sociedade aberta, num mundo de crescente interdependência, preservando e exercendo a capacidade de auto-governo. É um problema com mais incógnitas do que equações. Mas será que existe solução para todos os problemas que envolvem o destino dos homens?” (Celso Furtado)
Em Os ares do mundo (publicado em 1991), Celso Furtado procurou reexaminar as estruturas do poder mundial (principalmente, as estruturas do poder dos Estados Unidos da América do Norte, naqueles anos bélicos) e as consequências desse domínio na questão desenvolvimento-subdesenvolvimento, questão esta que até hoje incomoda vários países subdesenvolvidos, estando longe de ser solucionada. Refletindo sobre a dependência a que estavam submetidos os países do chamado Terceiro Mundo, “presos na armadilha do subdesenvolvimento”, dominados por grandes potências mundiais, e reexaminando as substâncias ideológicas que estruturavam essas camadas de poder, Celso Furtado questionou os problemas dos países subdesenvolvidos, naquela época, incluindo o Brasil, e se perguntou, no primeiro capítulo de suas reflexões, “que rumo tomar?”
Em um país hierarquizante – nos anos finais do século XX – onde uma minoria possuía as armas para dominar os menos favorecidos socialmente, minoria esta que também se submeteu a poderes externos, foi impossível (para a maioria dos brasileiro) parar para pensar o rumo a ser seguido. Na verdade, o povo, naquele momento, foi levado caoticamente pelas engrenagens de um poder cujas bases repousavam fora de seus limites sócio-existenciais.
Repensando o início da História do Brasil, constato que esta pergunta, “que rumo tomar?”, poderia ser formulada a partir do próprio desenvolvimento histórico-social do país. O próprio Celso Furtado informou que “as lutas sociais do século XX [foram] caudatárias de ideologias concebidas nos dois séculos anteriores, particularmente no XIX”. Com pesar, o sociólogo reconheceu que essas lutas não conseguiram reconstruir as estruturas inicialmente mal elaboradas. E foi exatamente esta mal-formação social que impediu (até o final dos anos noventa) a tão desejada autonomia ao Brasil, e que ainda impede os atuais países subdesenvolvidos (em termos gerais) de se elevarem economicamente.
Observando especificamente o Brasil, um país que foi ao longo de sua história marcado politicamente por etapas conflituosas, é possível (ainda hoje, décimo segundo ano do século XXI) raciocinar a impossibilidade de aprender a administrar conflitos, incapacidade esta que o atinge continuamente, apesar dos esforços de alguns brasileiros valorosos, os quais lutam aqui mesmo, em território nacional, para que as mudanças positivas sejam realizadas (evidentemente, estou aqui aludindo a uma consciente minoria politizada).
Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, por sua vez, desnudou o modo de ser do homem brasileiro, a sua cordialidade; desnudou o caráter de quem herdou, historicamente, uma personalidade paradoxal misto de trabalho e aventura. Com ele, observo que o princípio do Brasil não favoreceu o desenvolvimento de uma aprendizagem segura, pois as condições naturais do país, naquele início, aliadas ao domínio de um povo, no qual o culto da personalidade impelia à separação ao invés da união, impediram tal aprendizagem. Assim, atrevo-me a falar da dificuldade do brasileiro de classes privilegiadas em aprender a administrar conflitos. Ainda hoje (reafirmo: início de século XXI), com os progressos já visíveis aqui em nossa Aldeia Particular, com o Brasil já galgando um patamar vitorioso, percebo esta quase impossibilidade de achar a solução para os problemas políticos/sociais que envolvem o destino da Nação Brasileira. Continuamos colonos, pior ainda, colonos mentais.
No que se relaciona à literatura, esta sempre procurou refletir esses problemas. Conscientemente ou intuitivamente os escritores brasileiros, cada qual submetido a sua linha estética, registraram as suas impressões, desenvolvendo considerações sobre a realidade que os cercava.
Antônio Cândido em Literatura e subdesenvolvimento ressaltou a idéia de Mário Vieira de Mello, sobre as duas fases que predominaram no Brasil no âmbito da literatura – a ideia de “país novo”, até 1930, e, posteriormente, de “país subdesenvolvido” –, e como os escritores de cada fase viram a realidade circundante. Desde o Descobrimento, os escritores elaboraram uma literatura exaltada e utópica, celebrando as belezas naturais e pouco se preocupando com os problemas sociais. A partir de 1930, surgiu a conscientização dos problemas e esta conscientização possibilitou uma repercussão que provocou a noção clara do subdesenvolvimento. A partir daí, arrefeceu-se a euforia inicial, a linguagem de celebração, a ideia de “terra bela - pátria grande”, e os escritores passaram a desenvolver uma ficção centralizada em uma visão pessimista, na qual afloraram a miséria e a incultura.
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