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terça-feira, 6 de março de 2012

COLONIZAÇÃO MENTAL: SERÁ QUE O BRASIL DE 2012 CONTINUA ASSIM? - 2


COLONIZAÇÃO MENTAL: SERÁ QUE O BRASIL DE 2012 CONTINUA ASSIM? - 2

NEUZA MACHADO

“Com o passar do tempo, dera-me conta de que a fraqueza maior do Terceiro Mundo estava no plano das ideias: éramos colonizados mentalmente, por um lado, e por outro permanecíamos prisioneiros de velhas doutrinas “revolucionárias” que haviam passado de moda nos centros metropolitanos.” (Celso Furtado)

Revistando a História e observando as idéias de Celso Furtado, Sérgio Buarque de Holanda e Antônio Cândido, penso que esta colonização mental surgiu a partir de 1939, no decorrer da Segunda Guerra Mundial, com o advento do fascismo, do nazismo, e, principalmente, com a elevação dos Estados Unidos em primeira potência mundial. Se o Brasil já era um “país colonizado”, historicamente mal formado, não foi difícil a “colonização mental”, a submissão às ideias externas, diferentes de sua própria realidade.

E foi a partir daí que o Brasil se industrializou e os camponeses começaram a abandonar o campo, buscando melhores condições de vida na cidade. Com isto, os centros urbanos mais visados pelos emigrantes – principalmente, os do Nordeste – se transformaram em cidades superpovoadas, redutos de miséria e degeneração. Nesse ínterim, enquanto o Brasil se foi aburguesando e se submetendo à “colonização mental”, os intelectuais (alguns) procuraram se refugiar na religião, a cultura procurou refletir os problemas do país, os artistas desenvolveram ideais políticos, enfim, a realidade brasileira passou a ser desnudada por uma minoria consciente.

"No dia em que o mundo rural se achou desagregado e começou a ceder rapidamente à invasão impiedosa do mundo das cidades, entrou também a decair (...) todo o ciclo das influências ultramarinas específicas de que foram portadores os portugueses." (Sérgio Buarque de Holanda)

"Se a forma de nossa cultura ainda permanece largamente ibérica e lusitana, deve-se atribuir-se tal fato sobretudo às insuficiências do “americanismo”, que se resume até agora, em grande parte, numa sorte de exacerbamento de manifestações estranhas, de decisões impostas de fora, exteriores à terra. O americano ainda é interiormente inexistente." (Sérgio Buarque de Holanda)


Esta desagregação do mundo rural começou no século XIX e atingiu seu ápice nos dois decênios iniciais do século XX. Assim, as reflexões de Sérgio Buarque de Holanda se ajustaram às de Antônio Cândido e Celso Furtado, quanto ao momento em que se iniciou, no Brasil, a consciência de subdesenvolvimento. É importante observar que Sérgio Buarque de Holanda já falava em “decisões impostas de fora” bem antes de Celso Furtado, se comparo as datas em que ambos raciocinaram sobre os problemas internos do Brasil.

É também esse mundo rural desagregado que passou a ser o tema dos escritores das décadas de 30 e 40. A literatura desse período, segundo Antônio Cândido, estava centralizada na “dialética do localismo e do cosmopolitismo, manifestada pelos modos mais diversos”. E é nesse período também (1946) que Guimarães Rosa publicou Sagarana, uma coletânea de contos, na qual, excetuando “A hora e vez de Augusto Matraga”, se observou o “nacionalismo literário”, ou seja, a recriação do dialeto caipira, e o “inconformismo”, em outras palavras, a rejeição a padrões preestabelecidos.

A ideia de “localismo e cosmopolitismo” na obra roseana da primeira fase se sobressai, porque o autor, a partir daquele momento, procurou valorizar um determinado espaço geográfico, mas, idealizou também, como diz Antônio Cândido, “um compromisso mais ou menos feliz de expressão com o padrão universal”.

Nas fases seguintes, a partir de A hora e vez de Augusto Matraga, espécie de narrativa-embrião de Grande Sertão: Veredas, não mais se observou o sertão roseano como um determinado local, pois o mesmo se transmudou em autêntico espaço universal.

Repensando a ENTREVISTA de Guimarães Rosa ao crítico Günter Lorenz (1965), percebe-se uma ligação fortíssima do escritor com suas origens européias. Na Entrevista, ele afirmou que uma parte de sua família, pelo sobrenome, reportava-se a uma “origem portuguesa, mas na realidade [seria] um nome suevo que na época das migrações era Guimaranes, nome que também designava a capital de um estado suevo da Lusitânia” Afirmou ainda que, pela sua origem, estava “voltado para o remoto, para o estranho”.

Se as narrativas de Sagarana, excetuando, como já foi dito, a narrativa A hora e vez de Augusto Matraga, procuraram realçar o sertão mineiro (cf: “O burrinho pedrês”, “Sarapalha”, “São Marcos” e outras), as narrativas seguintes se ligaram a este aspecto remoto e estranho de suas origens. O sertão roseano, criado a partir de A hora e vez de Augusto Matraga, perdeu o aspecto de local, para atingir o universal, porque, diferente do sertão de Minas, e ligado às transmutações vivenciais de seu criador, transformou-se em produto de uma mente já citadina e individual, auto-reflexiva e especulativa. Na verdade, este sertão da segunda fase de Guimarães Rosa, não se ligava ao “localismo literário” da década de 40, e, muito menos, procurava criar uma língua diversa com o intuito de se opor a padrões preestabelecidos. A linguagem sertaneja, ou a língua que se fala [ficcionalmente] no universo roseano, tende para o universal, porque metafisicamente caracteriza um espaço ligado ao plano da eternidade e da solidão, como o próprio Guimarães Rosa admitiu na ENTREVISTA.

"Goëthe nasceu no sertão, assim como Dostoievski, Tolstoi, Flaubert, Balzac; ele era, como os outros que eu admiro, um moralista, um homem que vivia com a língua e pensava no infinito. Acho que Göethe foi, em resumo, o único grande poeta da literatura mundial que não escrevia para o dia, mas para o infinito. Era um sertanejo." (Guimarães Rosa)

"Portanto, torno a repetir: não do ponto de vista filológico e sim do metafísico, no sertão fala-se a língua de Göethe, Dostoievski e Flaubert, porque o sertão é o terreno da eternidade e da solidão, onde Inneres und Äusseres sund nicht mehr zu trennen (“O interior e o exterior já não podem ser separados”)." (Guimarães Rosa)

Nestas palavras não se observa o “conformismo” de quem fez/faz parte de uma sociedade subdesenvolvida, “conformismo” que caracterizava uma parte dos escritores do período de 1900 a 1945, porque o escritor de origem sertaneja, naquele momento, já se transformara em cidadão do mundo.

"Conheço bastante bem a literatura alemã. Por exemplo, o Simplizissimus é para mim muito importante. Amo Göethe, admiro e venero Thomas Mann, Robert Musil, Franz Kafka, a musicalidade de pensamento de Rilke, a importância monstruosa, espantosa de Freud. Todos estes autores me impressionaram e me influenciaram muito intensamente, sem dúvida. Entretanto, não sei o que fazer com autores mais jovens como Brecht. Todos eles perderam o sentido da metafísica da língua, todos eles se tornaram pregoeiros e deixaram de lado a alma, considerando-a fora de moda, em desacordo com a época e acreditando que o homem seria apenas um Wolfsburg-Mensch (“Homem de Wolfgsburg”)." (Guimarães Rosa)

O escritor de substâncias mineiras se transformou em cidadão do mundo, e teve consciência de que recebeu influências europeias. Como todos os escritores de sua geração, recebeu influências, como ele mesmo afirmou, mas em sua literatura não há a imitação consciente de padrões europeus, comportamento normal no período da noção aguda do subdesenvolvimento, segundo Antônio Cândido. Não seria correto procurar tal atitude em Guimarães Rosa. O que posso destacar, nesse sentido, estaria ligado a valores metafísicos e universais. Se houve influências que, em outros casos, induzem à imitação, tais influências se transmudaram em criatividade própria, a partir do momento em que atingiu o patamar da consciência pura.

Ainda reconsiderando as palavras de Guimarães Rosa ao crítico Lorenz com atenção, vejo que quem fez todas aquelas preleções sobre a literatura alemã não foi o sertanejo, o nativo do sertão mineiro, foi o intelectual que alcançou o repouso reflexivo, de acordo com as teorias bachelardianas (conferir Bachelard), repouso este que precedeu ao despertar de sua consciência individual.

Por minha parte, se penso em seu narrador de A hora e vez de Augusto Matraga e nos narradores das fases seguintes, vejo que, induzidos pelo ficcionista, assumiram o caminho individual que os levaria, logo a seguir, à auto-reflexão, a tal qualidade essencial exigida para se chegar ao objetivo individual, qualidade esta que caracteriza o indivíduo inteligente.

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