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segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

HÁBITO NACIONAL - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO


HÁBITO NACIONAL - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
NEUZA MACHADO

Aos Leitores deste meu blog, envio-lhes uma interessante crônica de Luís Fernando Veríssimo publicada no ano de 2001. ATENÇÃO: ANO DE 2001. Por favor, anotem a data da publicação da crônica. NÃO CONFUNDAM AS DATAS: ANO DE 2001. Não digitei ano de 2011, não!


HÁBITO NACIONAL
Luís Fernando Veríssimo


Por uma dessas coincidências fatais, várias personalidades brasileiras, entre civis e militares, estão no avião que começa a cair. Não há possibilidade de se salvarem. O avião se espatifará – e, levando-se em consideração o caráter de seus passageiros, “espatifar” é o termo apropriado – no chão. Nos poucos instantes que lhes restam de vida, todos rezam, confessam seus pecados, em versões resumidas, e entregam sua alma à providência divina. O avião se espatifa no chão.

São Pedro os recebe de cara amarrada. O porta-voz do grupo se adianta e, já esperando o pior, começa a explicar quem são e de onde vêm. São Pedro interrompe com um gesto irritado.

– Eu sei, eu sei.

Aponta para uns formulários em cima de sua mesa e diz:

– Recebemos suas confissões e seus pedidos de clemência e entrada no céu.

O porta-voz engole em seco e pergunta:

– E... então?

São Pedro não responde. Olha em torno, examinando a cara dos suplicantes. Aponta para cada um e pede que se identifiquem pelo crime.

– Torturador.

– Minha financeira estourou. Enganei milhares.

– Corrupto. Menti para o povo.

– Sabe a bomba, aquela? Fui o responsável.

– Roubei.

– Me locupletei.

– Matei.

Etecétera. São Pedro sacode a cabeça. Diz:

– Seus requerimentos passaram pela Comissão de Perdão e foram rejeitados por unanimidade. Passaram pelo Painel de Admissões, uma mera formalidade, e rejeitados por unanimidade. Mas como nós, mais que ninguém, temos que ser justos, para dar o exemplo, examinamos os requerimentos também na Câmara Alta, da qual eu faço parte. Uma maioria esmagadora votou contra. Houve só um voto a favor. Infelizmente, era o voto mais importante.

– Você quer dizer...

– É. Ele. Neste caso, anulam-se todos os pareceres em contrário e prevalece a vontade soberana d’Ele. Isto aqui ainda é o Reino dos Céus.

– E nós podemos entrar?

São Pedro suspira.

– Podem. Se dependesse de mim, iam direto para o Inferno. Mas...

Todos entram pelo Portão do Paraíso, dando risadas e se congratulando. Um querubim que assistia à cena vem pedir explicações a São Pedro.

– Mas como é que o Todo-Poderoso não castiga essa gente?

E São Pedro, desanimado:

– Sabe como é, Brasileiro...

VERÍSSIMO, Luís Fernando. Comédias Para se Ler na Escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001: 85-86.

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