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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

PARA NUNCA ESQUECERMOS OS 60 MILHÕES DE MISERÁVEIS QUE VIVERAM À MÍNGUA NO PASSADO DO BRASIL

PARA NUNCA ESQUECERMOS OS 60 MILHÕES DE MISERÁVEIS QUE VIVERAM À MÍNGUA NO PASSADO DO BRASIL

NEUZA MACHADO

Quando olho para o passado, não tão distante, e recordo que o Brasil era um país constituído por uma população majoritariamente carente em todos os sentidos, não encontro uma explicação racional para o encaminhamento tão favorável das ações político-econômicas dos últimos oito anos (uma segura e dinâmica realização sócio-econômica do governo do Presidente Lula, apesar de todos os esforços contrários da preconceituosa minoria elitista). A única coisa que me vem à mente, mesmo reconhecendo o aplaudido esforço do governo e de sua equipe, é a possibilidade de ter ocorrido um milagre. Um milagre parecido com o relatado na Bíblia em que Jesus fez dois peixinhos e cinco pãezinhos se multiplicarem e saciarem a fome de cinco mil pessoas.

Para que o leitor reflita sobre a extensão da miséria que assolou o Brasil na segunda metade do século XX, apresento-lhe o poema de Manuel Bandeira, publicado em 1948, e a crônica de Herbert de Souza (o Betinho) sobre a questão da esmola ao pobre. Manuel Bandeira, o poeta que fez Poesia sobre as mais cruas verdades, e Betinho, o sociólogo que assumiu o compromisso de trabalhar em projetos sociais para construir melhor o conceito de solidariedade e cidadania.


O BICHO

Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


ESMOLA

Herbert de Souza


Nunca consigo deixar de dar esmola. Quando vejo uma pessoa na miséria absoluta, meto a mão no bolso e dou uma ajuda. Naquele momento em que recebe uma esmola, a pessoa excluída de um processo social injusto pode comer alguma coisa. Em tese, pode ser correta esta idéia de que “dar esmola não é bom nem para quem dá nem para quem recebe”. Mas, na prática, a realidade é outra. Quem pede esmola está ou deve estar com fome. Vivo esta contradição, e acho que é a mesma que, no fundo, todo mundo vive. O ideal seria um mundo sem esmola, em que todos tivessem emprego, ganhassem seu salário, tivessem a sua dignidade, sua cidadania resguardada. Mas, infelizmente, nós vivemos em um país onde 20% da população vive na indigência.

Com tanta miséria, o que eu vou fazer no momento em que um menino, com fome, descalço, visivelmente fraco, me pede uma esmola? Vou dizer para ele: não, vá trabalhar! Não posso dizer isso. Estas campanhas como “não dê esmolas” só terão validade se antes for criada uma alternativa verdadeira. Se não, tornam-se perversas. Na situação atual, negar uma esmola a um excluído é um ato de insensibilidade. Não é difícil acabar com a miséria no Brasil. Mas não basta apenas o discurso. A comparação entre o que se faz na área social com o que se faz para salvar bancos é válida, porque para algumas coisas no Brasil somos rápidos e eficientes, mas, para outras, somos lentos e ineficientes, como no trato da questão social.

A miséria é uma vergonha para todos nós e, às vezes, chegamos a nos sentir cúmplices. Em alguma medida podemos ter responsabilidade, uns muito mais do que a maioria. A esmola não é alienante, a não ser quando é a única ação contra a miséria. Eu não posso, ao ver uma pessoa cair na rua, dizer, comodamente: um médico é que deve atender você. Acho que contemplar ou passar por cima é a pior coisa que uma pessoa pode fazer.

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