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quarta-feira, 24 de novembro de 2010

PARA REFLETIRMOS SOBRE O ATUAL CONCEITO DE EDUCAÇÃO NO BRASIL


PARA REFLETIRMOS SOBRE O ATUAL CONCEITO DE EDUCAÇÃO NO BRASIL

NEUZA MACHADO

Para que os Internautas-Leitores deste Blog possam refletir sobre o conceito de educação no Brasil, nestes anos iniciais do Terceiro Milênio (interagindo conscientemente com o inovador “repouso fervilhante” bachelardiano, à semelhança do que nos ensina o filósofo francês Gaston Bachelard, em seu livro A Dialética da Duração), e do Prefácio do livro de Carlos Brandão A questão política da educação popular (publicado em 1982), insiro aqui também o ponto de vista de Luzia Pereira, estudante de Letras, em
seu momento histórico de 2010 (sobre este assunto ainda tão controvertido em nossos meios educacionais).


EDUCAÇÃO COM AMOR (2010) – TEXTO SOBRE O CONCEITO DE EDUCAÇÃO PELO PONTO DE VISTA DE UMA ALUNA DE LETRAS

Luzia Pereira


Um dia alguém que se achava no direito de determinar o que era o certo e o errado estabeleceu que as crianças de famílias burguesas deveriam ser educadas de tal forma que os valores de sua classe, a partir daquela época, fossem gravados em suas mentes para nunca mais esquecerem. Não posso afirmar se essa “marca” foi feita com indiferença ou com amor, somente sei que algumas crianças do passado tiveram sorte e outras não em seus processos de aprendizagem.

Foram os pedagogos, anteriores ao século XX, que iniciaram a revolução na maneira de encarar o ensino formal oferecido às crianças e promoveram a aproximação da percepção infantil, imaginativa e pré-consciente aos conceitos já formados pelos adultos. Mas, como esses pedagogos ainda estavam presos aos conceitos formais, foi necessário acontecer o cisma entre a forma e o significado, por ocasião do Movimento Modernista.

No Brasil, especificamente, percebe-se que foram os nossos ficcionistas e poetas do início e meados do século XX que conseguiram se desprender do passado e estimular um contato renascido e dinâmico entre si e seus leitores, e entre estes e a realidade ao redor. De tal forma que as primeiras percepções puderam vir à tona, como se, tanto ficcionistas e leitores, voltassem a ser crianças vendo o mundo pela primeira vez. Em seus escritos, foram expostos os novos conceitos, plenos de verdade, que bem poderiam ser chamados de ensinamentos. Constata-se que esses ensinamentos, apesar de estarem entrelaçados pelos conceitos formais, estavam repletos do vigor de novas imagens. Essas, por sua vez, assemelhavam-se às imagens que povoam a mente das crianças.


“A educação pela pedra”, de João Cabral de Melo Neto, mais do que dizer que a pedra ensina, quer dizer que, em meio à pedra, se ensina, e, talvez, ensina-se mais, porque aquele que ensinou com ou em meio à pedra, ensinou somente aquilo que sabia, que era o que havia sido entendido como de valor e que, portanto, valia a pena ser ensinado. Logo ensinou com amor.


O mesmo entendimento de João Cabral aparece no testemunho de um pai oriundo do meio rural. Esse pai poderia não saber as regras da gramática, mas com certeza sabia as regras de como viver em sociedade. A diferença estava no fato de que a sociedade para a qual aquele pai preparava seu filho, era feita de pessoas semelhantes a ele, sem maiores aspirações quanto à inserção em grupos sociais mais exigentes. Sendo assim, por que ele deveria se preocupar e se sacrificar para oferecer uma formação acadêmica a seus filhos? No entanto, esse pai agricultor conseguiu demonstrar que mais vale um ensinamento dado com amor e que foi testado antes pelo próprio “professor” do que um ensinamento muitas vezes vazio e descontextualizado, por isso mesmo inócuo e sem valor para a vida do futuro cidadão.



POEMA "A EDUCAÇÃO PELA PEDRA" DE JOÃO CABRAL DE MELO NETO PUBLICADO EM 1966


A EDUCAÇÃO PELA PEDRA

João Cabral de Melo Neto


Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela da dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.


PREFÁCIO DO LIVRO A QUESTÃO POLÍTICA DA EDUCAÇÃO POPULAR ORGANIZADO POR CARLOS BRANDÃO E PUBLICADO NO ANO DE 1982

(BRANDÃO, Carlos (Org.). A Questão Política da Educação Popular. São Paulo: Brasiliense, 1982: 7 – 10)


... Agora, o senhor chega e pergunta: “Ciço, o que é educação?” Tá certo. Tá bom. O que que eu penso, eu digo. Então veja, o senhor fala: “Educação”; daí eu falo: “educação”. A palavra é a mesma, não é? A pronúncia, eu quero dizer. É uma só: “Educação. Mas então eu pergunto pro senhor: “É a mesma coisa? É do mesmo que a gente fala quando diz essa palavra?” Aí eu digo: “Não”. Eu digo pro senhor desse jeito: “Não, não é”. Eu penso que não.

Educação... quando o senhor chega e diz “educação”, vem do seu mundo, o mesmo, um outro. Quando eu sou quem fala, vem dum outro lugar, de um outro mundo. Vem dum fundo de oco que é o lugar da vida dum pobre, como tem gente que diz. Comparação, no seu essa palavra vem junto com quê? Com escola, não vem? Com aquele professor fino, de roupa boa, estudado; livro novo, bom, caderno, caneta, tudo muito separado, cada coisa do seu jeito, como deve ser. Um estudo que cresce e que vai muito longe de um saberzinho só de alfabeto, uma conta aqui e outra ali. Do seu mundo vem um estudo de escola que muda gente em doutor. É fato? Penso que é, mas eu penso de longe, porque eu nunca vi isso por aqui.

Então, quando o senhor vem e fala a pronúncia “educação”, na sua educação tem disso. Quando o senhor fala a palavra conforme eu sei pronunciar, também, ela vem misturada no pensamento com isso tudo; recursos que no seu mundo tem. Uma coisa assim como aquilo que a gente conversava outro dia, lembra? Dos evangelhos: “Semente que caiu na terra boa e deu fruto bom”, (...)


Quando eu falo o pensamento vem dum outro mundo. Um que pode até ser vizinho do seu, vizinho assim, de confrontante, mas não é o mesmo. A escolinha cai-não-cai ali num canto da roça, a professorinha dali mesmo, os recursos tudo como é o resto da regra de pobre. Estudo? Um ano, dois, nem três. Comigo não foi nem três. Então eu digo “educação” e penso “enxada”, o que foi pra mim.


Porque é assim desse jeito que eu queria explicar pro senhor. Tem uma educação que vira o destino do homem, não vira? Ele entra ali com um destino e sai com outro. Quem fez? Estudo; foi estudo regular: um saber completo. Ele entra dum tamanho e sai do outro. Parece que essa educação que foi a sua tem uma força que tá nela e não tá. Como é que um menino como eu fui mudá num doutor, num professor, num sujeito de muita valia?

Agora, se eu quero lembrar da minha: “enxada”. Se eu quero lembrar: “trabalho”. E eu hoje só dou conta de um lembrarzinho: a escolinha, um ano, dois, um caderninho, um livro, cartilha? Eu nem sei, eu não lembro. Aquilo de um bê-a-bá, de um alfabetozinho. Deu pra aprender? Não deu. Deu pra saber escrever um nome, pra ler uma letrinha, outra. Foi só. O senhor sabe? Muito companheiro meu na roça, na cidade mesmo, não teve nem isso. Agente vê velho aí pra esses fundos que não sabe separar um A dum B. gente que pega dum lápis e desenha o nome dele lá naquela dificuldade, naquele sofrimento. Mão que foi feita pro cabo da enxada acha a caneta muito pesada e quem não teve prazo dum estudozinho regular quando era menino, de velho é que não aprende mais, aprende? Pra quê? Porque eu vou dizer uma coisa pro senhor: pra quem é como esse povo de roça o estudo de escola é de pouca valia, porque o estudo é pouco e não serve pra fazer da gente um melhor. Serve só pra gente seguir sendo como era, com um pouquinho de leitura. (...)

O senhor faz pergunta com um jeito de quem sabe já a resposta. Mas eu explico assim. A educação que chega pro senhor é a sua, da sua gente, é pros usos do seu mundo. Agora, a minha educação é a sua. Ela tem o saber de sua gente e ela serve pra que mundo? Não é assim mesmo? A professora da escola dos seus meninos pode até ser uma vizinha sua, uma parente, até uma irmã, não pode? Agora, e a dos meus meninos? Porque mesmo nessas escolinhas de roça, de beira de caminho, conforme é a deles, mesmo quando a professorinha é uma gente daqui, o saber dela, o saberzinho dos meninos, não é. Os livros, eu digo, as idéias que tem ali. Menino aqui aprende na ilusão dos pais; aquela ilusão de mudar com estudo, um dia. Mas acaba saindo como eu, como tantos, com umas continhas, uma leitura. Isso ninguém não vai dizer que não é bom, vai? Mas pra nós é uma coisa que ajuda e não desenvolve.


Então, “educação”. É por isso que eu lhe digo que a sua é a sua e a minha é a sua. Só que a sua lhe fez. E a minha? Que a gente aprende mesmo, pros usos da roça, é na roça. É ali mesmo: um filho com o pai, uma filha com a mãe, com uma avó. Os meninos vendo os mais velhos trabalhando.

Inda ontem o senhor me perguntava da Folia dos Santos Reis que a gente vimos em Caldas: “Ciço, como é que um menino aprende o cantorio? As respostas?” Pois o senhor mesmo viu o costume. Eu precisei lhe ensinar? Menino tão ali, vai vendo um outro, acompanha o pai, um tio. Olha, aprende. Tem inclinação prum cantorio? Prum instrumento? Canta, tá aprendendo; pega, toca, tá aprendendo. Toca uma caixa (tambor da Folia de Reis), tá aprendendo a caixa; faz um tipe (tipo de voz do cantorio), tá aprendendo cantar. Vai assim, no ato, no seguir do acontecido.

Agora, nisso tudo tem uma educação dentro, não tem? Pode não ter um estudo. Um tipo dum estudo pode ser que não tenha. Mas se ele não sabia e ficou sabendo é porque no acontecido tinha uma lição escondida. Não é uma escola; não tem um professor assim na frente, com o nome “professor”. Não tem... Você vai juntando, vai juntando e no fim dá o saber do roceiro, que é um tudo que a gente precisa pra viver a vida conforme Deus é servido.


Quem que vai chamar isso aí de uma educação? Um tipo dum ensino esparramado, coisa de sertão. Mas tem, não tem? Não sei. Podia ser que tivesse mais, por exemplo, na hora que um mais velho chama um menino, um filho. Chama num canto, fala, dá um conselho, fala sério um assunto: assim, assim. Aí pode. Ele é um pai, um padrinho, um mais velho. Na hora ele representa como de um professor, até como um padre. Tem um saber que é falado ali naquela hora. Não tem um estudo, mas tem um saber. O menino baixa a cabeça, daí ele escuta; aprendeu, às vezes não esquece mais nunca.


Então vem um e pergunta assim: “O Ciço, o Antônio Ciço, seus meninos tão recebendo educação?” Que seja um padre, que seja o senhor. Eu respondo: “Homem, uma eles tão. Em casa eles tão, que a gente nunca deixa de educar um filho conforme os costumes. Mas educação de estudo, fora os dois menorzinhos, eles tão também, que eles tão na escola”. Então quer dizer que é assim: tem uma educação ― que eu nem sei como é que é mesmo o nome que ela tem ― que existe dentro do mundo da roça, entre nós. Agora tem uma ― essa é que se chama mesmo “educação” ― que tem na escola. Essa que eu digo que é a sua. É a educação que eu digo: “de estudo”, de escola; professor, professorinha, coisa e tal. Daqui, mas de lá.


A gente manda os meninos pra escola. Quem é que não manda? Só mesmo um sujeito muito atrasado. Um que muda daqui pra lá a toda hora. Um outro que mora aí, pros fundos de um sertão, longe de tudo. A gente manda, todo mundo por aqui manda menino pro estudo. É longe, o senhor viu, mas manda. Podiam tá na roça com o pai, mas tão na escola. Mas quem é pobre e vive nessa descrença de trabalhar dum tanto, a gente crê e descrê. Menino desses pode crescer aí sem um estudozinho que seja, da escola? Não pode. Eu digo pro senhor, não pode. O meu saberzinho que já é muito pouco, veio de aprender com os antigos, mais que da escola; veio a poder de assunto, mais do que de estudo regular. Finado meu pai já dizia assim. Mas pra esses meninos, quem sabe o que espera? Vai ter vida pra eles na roça todo o tempo? Tá parecendo que não. E, me diga, quem é quem na cidade sem um saberzinho de estudo? Se bem que a gente fica pensando: “O que é que a escola ensina, meu Deus?”. Sabe? Tem vez que eu penso que pros pobres a escola ensina o mundo como ele não é. (...)


Agora, o senhor chega e diz: “Ciço, e uma educação dum outro jeito? Um saber pro povo do mundo como ele é?” Esse eu queria ver explicado. O senhor fala: “Eu tô falando duma educação pro povo mesmo, um tipo duma educação dele, assim, assim”. Essa eu queria saber como é. Tem? Aí o senhor diz que isso bem podia ser feito; tudo junto: gente daqui, de lá, professor, peão, tudo. Daí eu pergunto: “Pode? Pode ser dum jeito assim? Pra quê? Pra quem? (...)


Antônio Cícero de Sousa.

Lavrador de sítio na estrada entre Andradas e Caldas, no sul de Minas Gerais. Também dito Antônio Ciço, Tonho Ciço e, ainda, Ciço.


APRESENTAÇÃO DO LIVRO A QUESTÃO POLÍTICA DA EDUCAÇÃO POPULAR ORGANIZADO POR CARLOS BRANDÃO E PUBLICADO NO ANO DE 1982

(BRANDÃO, Carlos (Org.). A Questão Política da Educação Popular. São Paulo: Brasiliense, 1982: 11)


Num livro com sete artigos, bom é que cada autor faça a introdução do seu. E que esta aqui sirva para apresentar os autores e o seu tempo.

De um modo ou de outro todas as pessoas aqui reunidas estiveram envolvidas em projetos, experiências e movimentos que começaram a misturar nomes tradicionais como “cultura” e “educação” com o adjetivo “popular”, do que resultou, menos do que um conjunto novo de conceitos para os dicionários de Pedagogia, um momento de renovação na história da educação no Brasil. Pela primeira vez, entre muitos tropeços e atropelos, mas sem meias-verdades, procurava-se pensar a educação às avessas e associá-la de fato a um tipo de prática descaradamente política, a que se acostumou chamar, de lá para agora, de libertação popular.

Aquele foi o começo do tempo da transformação da idéia e da prática de uma Educação de Adultos inocente, vinculada a programas de Desenvolvimento Comunitário aparentemente despolitizados, logo a serviço da política oficial de dominância, numa Educação Popular cuja teoria, desde Paulo Freire, faz a denúncia dos usos políticos da educação opressora e cuja prática converte o trabalho pedagógico do educador em favor do trabalho político (...)

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