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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

6 - EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO - RIO DE JANEIRO, 28 DE OUTUBRO DE 2001

6 - EPÍSTOLA AOS HOMENS DO FUTURO - RIO DE JANEIRO, 28 DE OUTUBRO DE 2001

NEUZA MACHADO

(Para o Brasileiro Consciente do Brasil-País do Futuro lembrar-se sempre que existiu um Brasil-Tristes Trópicos até o Final do Século XX)


Meus amigos do Futuro, em Meu Tempo Histórico, neste Último Domingo de Outubro do Anno de 2001 ― principalmente em meu Agorá: a Maravilhosa Cidade do Rio de Janeiro ―, cultuamos a chamada
Língua Padrão. A Língua Padrão de minha realidade brasilesa segundo os especialistas deverá estar acima dos regionalismos e condizente com os mestres do idioma brasilês. Deveremos, neste Final de Outubro de 2001, estar atentos à correção da linguagem e observar com acuidade os cânones gramaticais prescritos pela tradição clássica, se quisermos o aval de nossos censores. Nossas leis gramaticais impõem severos castigos aos infratores. Os textos técnicos – excetuando os textos artísticos – só serão avaliados como corretos, se não apresentarem solecismos, cacografias, cruzamentos léxicos, expressões viciosas, barbarismos, impropriedades, vícios de tratamento, deformações (alterações na forma das palavras), et cœtera, etc. Assim como os portugueses, os brasileses
cultos são muito cuidadosos com o idioma pátrio. Até o momento (até este Mês de Outubro de 2001), acreditem!, só permitimos (incorretamente) a incursão de línguas estrangeiras. Até este momento, sempre adoraaaaaamos outras línguas! Até este Mês Outubro de 2001, abrasilesaaaaaamos diversas palavras oriundas de outros países. Até agora (2001, não s’esqueça!), estivemos a bater palmas entusiásticas para o idioma alheio, mesmo que o falante fosse analfabeto em sua língua de origem, e, pior ainda!, ousamos perseguir (A Minoria Brasilesa Que Se Diz Culta, evidentemente!), com furor!, os falantes brasileses das camadas dialetais não conceituadas. (Os que batem palmas são, principalmente, os muuuuuuto ricos da chamada Minoria Culta; os inumerááááááveis famélicos que necessitam muuuuuuuuuuuuito mais de alimento saudável, até agora, Outubro de 2001, não tiveram a glória de aprender Língua Estrangeira no Brasil Varonil).

Por esta razão, Vocês estão apreendendo aqui, nesta minha cartinha do Último Domingo do Mês de Outubro de 2001, um leve tom solene e o banimento de palavras chulas e expressões impolidas. Emprego termos adequados porque, quomodo autêntica defensora de uma forma de falar correta, vou sempre consultar a Gramática da Língua Portuguesa Européia, uma vez que não desejo ser admoestada por meus conterrâneos. Às vezes, consulto o dicionário de minha Brasilesa Língua Pátria e descubro que a maior parte das palavras de meu idioma provém do Latim Vulgar. Para vocês entenderem aí no Futuro Sem-Muro, o Latim Vulgar era a forma de falar das camadas incultas de Roma.

Os soldados romanos ― aqueles que alargaram as fronteiras de Roma e impuseram o idioma latino aos perdedores ― eram oriundos da plebe iletrada, e foram eles, acreditem!, os iletrados soldados romanos, que conquistaram uma boa parte do Mundo daquela época. Meus Amigos do Futuro Brasilês Sem-Muro!, herdamos nosso idioma tão amado desses valerosos soldados romanos, os quais souberam dignificar sua Pátria de origem. Vejam Vocês!, os Povos Autóctones eram obrigados violentamente a ceder seus espaços territoriais aos invasores romanos, perdiam o direito de administrar seus domínios e, ainda, eram obrigados a aceitar o vulgar idioma do vencedor (ora, ora!, como vamos entender tanta vassalagem?). Entendam, meus Amigos do Futuro!, a nossa atual brasilesa decepção, neste Final de Segundo Milênio e Início de Terceiro Milênio, Anno de 2001: não pudemos (nós Brasileses) herdar o Latim Culto porque os intelectuais romanos, autênticos Dictadores das Normas Gramaticais do Latim Clássico, preferiram o conforto da Urbe. Enquanto os soldados lutavam e instituíam o tal idioma deturpado, o poderio de Roma se alargava cada vez mais. Mas, mesmo assim, Graças a Deus!, quomodo Herdeiros Legítimos da Língua do Lácio, inculta e bela, procuramos sempre Hierarquizar o Idioma Pátrio, talvez, numa tentativa de esquecer o Início de Nossa Trajetória Linguística de Base Vulgar.

Por estas inúmeras razões, cultuamos a severidade linguística e não respeitamos de jeito nenhum! as camadas dialetais que não se enquadram nos pré-requisitos normativos do Bem-Falar.

Mas, nós Brasileses deste Anno de 2001 (apenas os ricos e cultos!) adoramos os Idiomas Alheios!, mesmo que os falantes sejam
praláde analfabetos em suas línguas de origem. Se Vocês, Amigos do Futuro Sem-Muro!, vierem, um dia, nos visitar, de volta para o passado, constatarão o que acabo de lhes dizer: não há um canto sequer do Brasil Varonil, Neste Final de Outubro de 2001, sem a contribuição de idiomas estrangeiros. E acreditem em mim!: para os brasileses ricos e cultos (ou os pobres que se acreditam cultos) é uma vergonha sem limites não saber pronunciar corretamente o idioma alheio... E, no entanto, Meus Amigos Brasileses do Futuro!, batemos palmas calorosas para o estrangeiro que sabe estropiar com ou sem elegância nossa língua brasilesa inculta e bela.

Meus Caríssimos Amigos Brasileses do Futuro!, venham nos visitar! Entrem no Túnel do Tempo e retomem o Passado (principalmente venham visitar este Anno de 2001). Este meu Presente Histórico será o Passado Histórico de Vocês. Venham informar-me o que tanto desejo saber: Vocês continuam falando o Brasilês?

Meus Amigos, de verdade, com Muito Amor no Coração!, espero que o Brasil do Futuro aceite suas diversas características dialetais, superando a terrível e comandada insegurança linguística que o faz prestigiar outras línguas que não a própria. Só assim irá amadurecer como Nação Soberana. Os diversos estratos linguísticos deveriam ser respeitados e não ridicularizados, o que, normalmente, ocorre por aqui (até esta data do Último Dia do Mês de Outubro do Anno de 2001).

No próximo Domingo enviar-lhes-ei outras notícias. Aguardem-me! E recebam o Meu Grande Amor por Vocês e o Meu Ampliadíssimo Abraço Transecular!


ODISSÉIA MARIA, filha legítima de Antônio Aquileu e Jane Briseides, descendentes de Gloriosos Caçadores de Onças Pintadas e Jaguatiricas Noturnas de Minas Gerais, uma região misteriosa e mágica situada na parte Leste do Brasil Varonil.

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