9 - NO MUNDO DOS SONHOS DIMENSIONADOS: A CAMINHAR POR UMA ROTA DESCONHECIDA
NEUZA MACHADO
Lembro-me de um entre os meus muitos sonhos com estradas montanhosas:
No sonho, eu havia iniciado uma viagem de automóvel conversível com meu marido e minha filha Ana Lucia, à época, já adulta. Meu marido era o motorista. Havia muita alegria e vivacidade nesse início de sonho. O automóvel (com a capota descaída) se movimentava por uma larga auto-estrada, dessas maravilhosas de Primeiro Mundo. Meus cabelos e os de minha filha esvoaçavam, soltos, animados, ao vento. Grandes caminhões de carga e velozes automóveis de passeio nos ultrapassavam ruidosamente.
Depois de um grande trecho percorrido, com o automóvel ainda em movimento acelerado, o meu genro Leon (nome fictício), esposo de uma outra minha filha (que não se encontrava nesse sonho), apareceu, repentinamente, a pedalar vigorosamente uma bicicleta, e ultrapassou-nos, a olhar-nos com um largo sorriso de vitória.
Em um dado momento, o automóvel conversível de capota arriada transformou-se em um automóvel antigo, aberto (daqueles exaustivamente vistos nas revistas de colecionadores), e a robusta bicicleta do Leon metamorfoseou-se em uma bicicletinha de brinquedo. Não sei como, o Leon, alto e corpulento, se ia a equilibrar-se, e se movimentava, incrivelmente muito bem arranjado, em cima da tal bicicletinha.
Como sempre acontecera até então em meus sonhos, procurei mudar o rumo da ação sonambúlica. Penso hoje que a viagem do sonho já estava a se tornar monótona e eu, espertamente, providenciei para ela uma dinâmica reviravolta.
Mais do que de repente, eu já estava a caminhar sozinha por um rústico caminho de terra. No início, era um caminho estreito, mas, logo se tornou uma estrada mais larga, ainda de terra. Para não perder o costume de enfrentar diversos obstáculos, em meus sonhos dinâmicos, por um bom período das ações, fui a me safar heroicamente dos muitos que encontrei. De trecho a trecho, sempre aparecia uma demanda para que eu a vencesse: pedras impedindo a passagem, chuvas torrenciais, partes de caminhos alagados, pessoas estranhas e mal-encaradas se aproximando de mim, na retaguarda ou em sentido contrário, cachorros latindo à minha passagem, vultos misteriosos pairando por perto, e outros obstáculos próprios de sonhos de aventuras. Lembro-me que passei por pequenas Vilas, todas parecidas com os pequenos Arraiais que margeiam as estradas do interior do Brasil. As Vilas e suas pequenas e humildes casinhas, com seus moradores a olharem-me sorridentes. Recordo-me de ter visto brancas igrejinhas ao longo de minha caminhada. E lá ia eu, começando a ficar temerosa, porque o caminho e os obstáculos se desenvolviam, cada vez mais estranhos, e eu não chegava nunca à estrada principal (aquela do princípio do sonho).
Já me sentia cansada de tanto andar e, principalmente, de me defrontar com impedimentos vários, quando, sem mais nem menos, apareceu-me uma acompanhante. Era uma senhora negra, gorda, simpática e sorridente (talvez, fosse a mesma daquele outro sonho, daquela viagem de trem, já relatada anteriormente). Por sorte (e eu sempre me considerei uma grande privilegiada da sorte, por formar interessantes enredos sonambúlicos no decorrer de minhas noites de sono calmas ou agitadas), não fiquei com medo da providencial acompanhante. A partir dali, os entraves do caminho desapareceram, e eu continuei a caminhar, com mais tranquilidade, a conversar com a senhora (que, por sinal, aparecera em meu sonho inesperadamente, apenas para confortar-me nas últimas etapas daquele estranho caminho de terra).
Ao longo do sonho, a caminhar e a enfrentar os diversos obstáculos, posteriormente, acompanhada pela estranha Senhora, continuava o dia ensolarado. De repente, ainda acompanhada da Senhora desconhecida (com certeza, um Anjo da Guarda), eu me percebi sorridente e animada, pois já visualizava o trecho final do caminho de terra e, um pouco distante, a larga auto-estrada de montanha do início do sonho. Ainda um dia muito ensolarado! Talvez o sonho fosse um contínuo amanhecer ou entardecer, não sei!
O caminho de terra terminava exatamente no alto da montanha. Do outro lado da auto-estrada, bem a direção do estreito caminho, localizava-se um ponto de ônibus e algumas pessoas estáticas e, por sinal, também extáticas, se encontravam ali à espera de uma hipotética condução que as levaria a alguma outra parte extra-sonho.
Paralelo a auto-estrada, existia um outro caminho de terra, que se iniciava a partir do anterior (talvez fosse o mesmo, com uma pequena bifurcação para uni-lo à rodovia principal). Ali, naquele rústico entroncamento do caminho, despedi-me de minha acompanhante casual (e que me entretivera nas últimas etapas do sonho, fazendo-me esquecer dos prováveis obstáculos que por ventura tivesse de enfrentar). Curiosamente, a Senhora seguiu pelo caminho de terra paralelo à margem esquerda da auto-estrada, em sentido Norte. Ainda fiquei a olhá-la, enquanto o seu vulto ia desaparecendo, na distância de meu ângulo de visão, a subir a estrada de terra como se fosse uma névoa.
Antes de atravessar a larga rodovia, deslumbrei-me com o cenário que se projetava do outro lado. Como já foi relatado, ali se localizava um ponto de ônibus, entretanto, ao fundo, do lado da margem do despenhadeiro, existia uma ampla casa iluminada (e era ainda um dia ensolarado!), possivelmente uma hospedaria. As várias portas do pavimento térreo, com o interior iluminado, denunciavam que ali era uma espécie de Confeitaria ou Café ou Padaria. A edificação, em meu sonho, exibia faixas com dizeres luminosos encimando as muitas portas existentes. A casa parecia estar pendurada no despenhadeiro, insolitamente presa ao declive da encosta pelo lado direito da rodovia. De qualquer maneira, as luzes projetadas a partir dela eram excessivamente brilhantes. As pessoas que se encontravam no ponto de ônibus apareciam, pela minha perspectiva, estranhamente iluminadas, graças àquela incrível luz que as rodeava.
Enfim, atravessei a rodovia, naquele momento do sonho, totalmente sem os rotineiros veículos barulhentos. O ambiente estava silencioso. Até mesmo as pessoas que estavam ali paradas, iluminadas, à espera de condução, não conversavam umas com as outras (pareciam seres estagnados).
Caminhei a direção do ponto de ônibus. Quando ali cheguei, encontrei a minha filha a esperar-me. Perguntei-lhe porque estava sem a companhia do pai e de seu cunhado Leon (de meu marido e de meu genro). Ela me respondeu que caminhara sozinha, e que os outros dois estavam vindo de ônibus. Olhei para baixo, obliquamente, e abarquei a extensão da auto-estrada, em subida, contornando em ziguezague a encosta da montanha. A muita distância percebia-se o vulto de um ônibus, subindo morosamente a serra.
Não entramos na brilhante confeitaria! O dia continuava ensolarado! Esperamos juntas o ônibus se aproximar. Finalmente, ele chegou. Só eu e minha filha entramos nele. Deixamos para trás a visão da desconhecida casa iluminada. As outras pessoas continuaram ali, na parada de ônibus, estáticas, alheadas.
Dentro do ônibus, reencontramos apenas meu marido. Perguntei-lhe porque o Leon não se encontrava no ônibus. O meu genro Leon havia recuperado a bicicleta e fora a uma outra direção. Em meio à algazarra do reencontro, continuamos a viagem...
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