4 - SOBRE O PAULISTANO RIO TIETÊ DE MÁRIO DE ANDRADE - 1
NEUZA MACHADO
Neste mês de janeiro, as chuvas tropicais chegaram com muita força aqui no Rio de Janeiro e em muitas outras localidades do Brasil, destruindo as paisagens, ceifando vidas, trazendo tristeza para muitas famílias, além da ameaça de terríveis epidemias.
Outro grande Estado brasileiro que está sofrendo com as chuvas de janeiro é São Paulo. A Capital do Estado ― a Cidade de São Paulo ― está em estado de calamidade, suas ruas estão alagadas, principalmente as ruas dos bairros mais pobres. O Rio Tietê é uma larga e longa vala de detritos, a sujeira contamina o rio, toda a podridão da Grande Cidade é carreada para o rio em esgotos mal-cheirosos.
A Cidade faz aniversário neste mês de Janeiro e o aniversário vai ser comemorado com muito brilho e muitos gastos pela população rica (aquela que não sofre os males das enchentes, pois esta parte da Cidade está sempre muito bem protegida). Os pobres não estão protegidos! Estão desabrigados e sem alimentos. Em São Paulo, os jornais maiorais e alguns políticos de lá (os de oposição ao Governo Federal) culpam a Natureza pelo desastre (os políticos da oposição de lá, que no momento comandam o Estado, não têm culpa alguma!). Em relação às enchentes do Estado do Rio de Janeiro, os mesmos jornais maiorais de lá e os principais jornais maiorais do Rio de Janeiro (também de oposição) culpam os políticos de cá e o anterior Governo Lula pelo cataclismo climático que ocorreu em muitas cidades fluminenses. Os políticos paulistas de oposição ao governo não têm culpa de nada, os políticos de cá, sim. É a eterna briga entre o Estado do Rio de Janeiro e São Paulo. Nesta disputa, para ver quem é o culpado, o Estado de Minas Gerais (dos políticos de oposição ao Governo Federal, no entanto, mineirinhos quietinhos) fica de fora. As enchentes de janeiro estão também arrasando muitas cidades de Minas Gerais...
Entretanto, o problema de São Paulo é antigo; é antigo o descaso das autoridades de lá e a sujeira do Rio Tietê também. Vamos ler alguns trechos de um longo poema que nos foi legado por Mário de Andrade, quando nos anos quarenta (lembrem-se sempre das datas: anos de 1940) meditou sobre o triste “curso das águas” do Rio Tietê:
A MEDITAÇÃO SOBRE O TIETÊ
Mário de Andrade
É noite. E tudo é noite. Debaixo do arco admirável
Da Ponte das Bandeiras o rio
Murmura num banzeiro de água pesada e oliosa.
É noite e tudo é noite. Uma ronda de sombras,
Soturnas sombras, enchem de noite tão vasta
O peito do rio, que é como si a noite fosse água,
Água noturna, noite líquida, afogando de apreensões
As altas torres de meu coração exausto. De repente
O ólio das águas recolhe em cheio luzes trêmulas,
É um susto. E num momento o rio
Esplende em luzes inumeráveis, lares, palácios e ruas,
Ruas, ruas, por onde os dinossauros caxingam
Agora, arranha-céus valentes donde saltam
Os bichos blau e os punidores gatos verdes,
Em cânticos, em prazeres, em trabalhos e fábricas,
Luzes e glória. É a cidade... É a emaranhada forma
Humana corrupta da vida que muge e se aplaude.
E se aclama e se falsifica e se esconde. E deslumbra.
Mas é um momento só. Logo o rio escurece de novo,
Está negro. As águas oliosas e pesadas se aplacam
Num gemido. Flor. Tristeza que timbra um caminho de morte.
É noite. E tudo é noite. E o meu coração devastado
É um rumor de germes insalubres pela noite insone e humana.
(Amanhã postarei mais um trecho deste importantíssimo poema de Mário de Andrade)
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