AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES – DESARTICULAÇÃO E METAMORFOSES DO NARRADOR - 12
NEUZA MACHADO
O(A) narrador(a) principal de As Meninas de Lygia Fagundes Telles (narrador(a) dos anos sessenta do século XX), bem instalado(a) no cogito(3) de sua consciência singular, se metamorfoseia, assumindo cada uma das personagens individualmente. A forma de narrar pós-moderna já não segue o modelo tradicional das histórias lineares, submetidas às exigências substanciais de suas épocas. Ao assumir cada uma das personagens individualmente, o(a) narrador(a) principal revela sua condição de indivíduo privilegiado, acima de ideológicas imposições estéticas, observando a realidade desintegrada e confusa, lendo seus poetas (e filósofos como Bachelard) em cima de uma árvore.
A partir das páginas finais da narrativa, já posso falar de um narrador se metamorfoseando, assumindo cada uma das personagens particularmente, porque, segundo minhas particulares deduções, narrar é uma forma de compreender e interpretar a realidade, e, se possível, encontrar-se. No caso específico da matéria em questão, o narrador principal de Lygia Fagundes Telles, aquele ser quase imperceptível, aquele que não se revelou inteiramente, se metamorfoseou em várias narradoras, porque, esteticamente e historicamente, não havia como desenrolar o fio narrativo linear, marca das narrativas romanescas experientes (ou narrativa de um passado memorável).
A desorientação verbal de que nos fala Walter Benjamim, em O Narrador, ao se referir aos narradores modernos (Era Moderna), alcançou seu ponto culminante no século XX. Estamos nos anos iniciais do Terceiro Milênio e a Humanidade ainda espera um milagre que a faça voltar ao antigo equilíbrio existencial. Enquanto isto, os narradores e narradoras da atualidade vão se distanciando, cada vez mais, dos fenômenos estilísticos próprios desta modalidade de literatura. Na década de 1960, em termos de Brasil, e submetida aos desmandos da ditadura, esta já assinalada desorientação verbal – marca dos narradores modernos – ficou mais em evidência, já que os escritores da época procuravam se proteger das perseguições dos censores do governo militar, produzindo obras aparentemente de difícil entendimento, mas ricas de mensagens ocultas. Subjacentes nas entrelinhas do texto ficcional, estas mensagens codificadas, apreendidas por intermédio de um raciocínio direcionado, permitem, hoje, ao estudioso da literatura, reavaliar a História do Brasil sem interferências ideológicas Os padrões narrativos do passado, centrados ora no personagem (Narrativa de Personagem), ora nas leis severas do mundo racional (ou Narrativa de Espaço), como foi o caso do Realismo, cederam a vez às ocorrências históricas desencontradas (Narrativa de Acontecimento), as quais pontificaram no século XX. Lygia Fagundes Telles (e sua peculiar maneira de desenvolver a sua matéria literária) não foi exceção. Criativamente, procurou apreender a realidade social que a envolvia por meio do discurso conotativo, e com esta decisão deixou-se guiar pelas próprias leis do mundo ficcional, escrevendo sob a inspiração do momento, e, principalmente, despreocupada quanto ao final romanesco de sua criação.
Por estas razões, o narrador principal se diluiu e se metamorfoseou, assumindo cada uma das personagens individualmente. Agindo assim, obrigando as diversas personagens a narrar em primeira pessoa, a voz central desta narrativa de Lygia, analisou uma realidade opressora e punitiva, amparada pelo discurso insólito. Analisando e, ao mesmo tempo, reinterpretando ficcionalmente seu momento histórico, ousou infringir as leis ditatoriais da época, referindo-se, por exemplo, pela voz de Lião, às torturas impostas àqueles que ousavam discordar dos métodos drásticos dos militares que estavam no poder. Com esta atitude, enquanto cidadã brasileira, não se mostrou comprometida, ideologicamente, com as causas revolucionárias contrárias à ditadura, mas soube transmitir aos pósteros o desconcerto existencial de suas personagens. Suas diferentes narradoras — com seus diversos discursos entrelaçados — presentificaram aquela realidade insolitíssima por intermédio de falas conotativas, reflexivas, valorizando o olhar crítico da escritora, seguramente instalada no cogito três de sua consciência singular.
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