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segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES - INVESTIDA FICCIONAL CONTRA O DOMÍNIO SÓCIO-POLÍTICO BRASILEIRO DOS ANOS 60 - 4

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES - INVESTIDA FICCIONAL CONTRA O DOMÍNIO SÓCIO-POLÍTICO BRASILEIRO DOS ANOS 60 - 4

NEUZA MACHADO

Ainda em conformidade com a narrativa As Meninas, de Lygia Fagundes Telles, se a tal propalada liberação feminina não ocasionou realmente o total rompimento de tais valores (valores patriarcais; dominação masculina), ficou em incubação, a partir daqueles anos de 1960, talvez o desejo de expressar uma íntima repulsa a uma forma de dominação hipócrita, que não permitia a livre expressão às jovens da época. Restou o desejo de agredir os velhos costumes, e que melhor agressão do que a que fica impressa, para sempre grafada em um texto singular propenso a ultrapassar os limites ideológicos de seu próprio tempo? No caso da narrativa de Lygia, agressão desenvolvida por meio de personagens femininas que usavam uma linguagem rejeitada pela sociedade da época, ou melhor, o uso de termos considerados impróprios a jovens bem comportadas. Em contrapartida, há Lorena, simbolizando a face aparentemente ajustada das jovens ditas de boa família, demonstrando, claramente, que a aparência de bem-nascida e um nome patriarcal foram, naquela época de transgressão, e ainda são, nos dias atuais, valores indispensáveis para se viver em sociedade. Segundo Erving Gofmann, em seu livro A representação do eu na vida cotidiana, se não houver uma interação face a face, uma “influência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física imediata” (máscaras sociais), o indivíduo, aquele que deseja ser reconhecido socialmente, jamais terá a aprovação da referida sociedade.

Lygia Fagundes Telles soube grafar, em páginas criativas, esta questão das "máscaras sociais", mostrando o desejo de Ana Clara, por exemplo, de se tornar um ser presente na hipócrita sociedade brasileira dos anos de 1960, por intermédio do casamento com um homem rico, mesmo sendo asqueroso. Na verdade, todas as personagens da narrativa em questão denunciam a impossibilidade do ser humano mostrar seu rosto verdadeiro, mesmo nos dias atuais (o Presidente Lula, o Operário que governou brilhantemente o Brasil por oito anos consecutivos e a recém-eleita Presidente Dilma que o digam!), uma vez que o meio social impõe regras e preceitos, de acordo com o momento histórico vivenciado.

Assim, pelo ponto de vista ficcional do narrador principal de Lygia, que presencia a história instalado no plano interativo do cogito(2) da consciência questionadora, o ato de narrar ficcionalmente se fragmenta, revelando vários expositores ao mesmo tempo. Os discursos se intercalam e se misturam, confundindo o entendimento do leitor, habituado ele às narrativas tradicionais com princípio, meio e fim. Ali, na ímpar narrativa de Lygia Fagundes Telles, se instala um entrecruzar de pensamentos díspares. Pequenos e tumultuados acontecimentos do cotidiano possuem o poder de transformar o entrelaçamento das vozes narrativas no próprio símbolo do tumulto social da época, por intermédio dos enclaves discursivos, uma técnica ficcional oriunda do noveau roman francês. Neste sentido, o desconcerto existencial das personagens femininas, desconcerto captado nas linhas e entrelinhas do próprio texto, reflete um momento fragmentado, ou mesmo, a busca da própria identidade da mulher brasileira através das várias narradoras femininas. Assim, há a procura da auto-avaliação e do reconhecimento de um momento desajustado, por intermédio dos vários discursos que permeiam a narrativa. Neste sentido também não se pode falar apenas em literatura de autoria feminina, quando se descobre que os escritores masculinos da época sofreram os mesmos processos de procura e autoconhecimento.

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