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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES - SOB O REGIME DO MEDO - 11

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES - SOB O REGIME DO MEDO - 11

NEUZA MACHADO

Em As Meninas, de Lygia Fagundes Telles, o narrador em terceira pessoa poucas vezes aparece. Cada uma das meninas, inclusive outros personagens (a mãe de Lorena, o namorado de Ana Clara, o amigo de Lião) externam seus conflitos existenciais – pensando ou falando – sem o comando da voz central. Apoiando-me numa interpretação extratexto, penso que o entrelaçamento de narradores, objetivando a insolidez criativa do discurso narrativo, obstou, à ficcionista Lygia, naquele momento de Ditadura Militar, uma provável punição política, já que o tema de sua obra, altamente polêmico, por muito menos levou vários intelectuais ao exílio.

Ao longo do século XX, de acordo com os estudos semiológicos do texto literário, mais precisamente, de acordo com a Semiologia de Segunda Geração (a semiologia de Umberto Eco, Barthes e outros), os escritores atuaram segundo as exigências do momento histórico, mesmo os escritores das grandes obras literárias. Aquele momento de Lygia a impedia de externar livremente sua opinião sobre a realidade sócio-existencial que a circundava, ou seja, o momento histórico ainda estava acontecendo. Explicando melhor: a ditadura não estava definitivamente encerrada no país e, por isto, o ato de narrar ainda se encontrava em processo de realização. Se me predisponho a avaliar uma narrativa tradicional (da Idade Antiga ao Realismo do século XIX), observo que o ato de narrar exigia do narrador a experiência adquirida no passado. A essência das narrativas experientes – épicas ou ficcionais – como apresentação grandiloquente de um passado memorável, segundo os conceitos de Staiger, mas, esta apresentação se estruturava a partir do já conceituado presente histórico. Ao contrário, as meninas do texto de Lygia representavam/representam os diversos questionamentos da própria escritora naquele momento de interrogação sobre o que estava acontecendo, assim, representavam/representam também seu próprio desconcerto existencial provocado pelo desequilíbrio socio-político de sua realidade imediata. Aparentemente, suas meninas ficcionais eram/são apenas inofensivas personagens do cotidiano, mas observa-se hoje que o enredo narrativo de As Meninas é complexo, porque se faz presente ao leitor com a intenção de camuflar e, ao mesmo tempo, revelar verdades que não podiam ser questionadas diretamente. O que estava em questão, no momento de concepção da obra e ao longo da narrativa, não era exatamente a existência ficcional das meninas do Pensionato Nossa Senhora de Fátima (de estratos sociais diferentes), mas, as inúmeras vidas femininas que se prostituíam e se drogavam e se refugiavam em suas causas sociais ou se fechavam em seus casulos, vivendo em um mundo de fantasias (não importando o grau social das mesmas).

As diferentes meninas de Lygia se revelaram e se revelam aos leitores argutos como as várias versões de uma só verdade. A Verdade de um belicoso e triste momento do passado que não deve ser esquecido pelos brasileiros. Por este prisma, as meninas de Lygia hoje representam o conflito existencial da mulher brasileira dos anos 1960/70, aquela que fez parte de uma sociedade mal elaborada desde os seus primórdios, mas que, naquele momento, vivia sob o regime do medo.

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