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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES – LIA DE MELO SCHULTZ, A MILITANTE POLÍTICA DOS ANOS DE 1960 - 6

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES – LIA DE MELO SCHULTZ, A MILITANTE POLÍTICA DOS ANOS DE 1960 - 6

NEUZA MACHADO

Lygia Fagundes Telles, que começou sua carreira literária na década de 1940, reúne em sua narrativa As Meninas todas as mulheres inseguras e fragmentadas do pós-guerra; jovens conscientes de que o mundo vivia um período de transformações sociais, mas, ao mesmo tempo, presas a valores patriarcais em acelerado processo de decadência. Não é sem razão que busca na realidade dos anos de 1960 uma personagem como Lião, militante política, que usa uma forma de falar inconfundível. Mas, certamente, não é sem razão que dá vida ficcional a uma personagem de baixo nível como Ana Clara, personagem de pura e incomum criatividade entre muitas Aninhas “Turvas” do Brasil daquela época, uma jovem sem nenhuma perspectiva de vida, quando muito, tentando algo melhor quando são agraciadas com a beleza física. É em Ana Clara que a escritora concentra a sua crítica social mais aguçada, porque desenvolve uma personagem retirada de sua pura intuição criativa, aquela intuição que se instala no cogito(3) da consciência singular (de acordo com os ensinamentos bachelardianos).

Quanto a Lia de Melo Schultz (a guerrilheira Lião), historicamente, não seria possível ao analista-intérprete explorar com detalhes a sua militância política, desenvolvendo um posicionamento crítico explícito, a não ser uma alusão ao seu sobrenome estrangeiro (filha de mãe baiana e pai europeu). Na verdade, até mesmo Lião, a revolucionária, é também impecável criação literária da autora. Se fosse uma expressão genuína das militantes da época, daquelas que saíam como desordeiras nos jornais que apoiavam a Ditadura Militar no Brasil, sua atuação seria muito mais contundente e realista, ou seja, seria uma esclarecedora cópia da realidade. A autora, intuitivamente, apenas registrou a vocação revolucionária de Lia de Melo Schultz, não desenvolvendo suas reais atividades políticas fora dos limites dos poucos núcleos narrativos. Mas, é exatamente esta recriação sui generis, de um momento histórico problemático, a grande força deste texto ficcional de Lygia. Lião é uma personagem ambígua: ao mesmo tempo em que reflete uma semelhança com as revolucionárias da época, ou seja, aquelas jovens brasileiras revolucionárias das matérias jornalísticas, possui também, ao modo de Lorena, indiscutível sensibilidade. Na personagem Lia Schultz se fixa a real impossibilidade da autora de se expressar livremente, já que o momento histórico não permitia tais atitudes.

Aqui, nestas minhas páginas, será de vital importância lembrar que esta impossibilidade beneficiou sobremaneira a narrativa de Lygia, pois transformou Lião em uma personagem ímpar. Se penso apenas o momento da intuição ficcional, ela foi criada para representar, explicitamente, as jovens militantes brasileiras — oriundas de respeitáveis famílias — perseguidas durante o Regime Militar. Entretanto, a autora, em sua diferenciada criação literária, estava protegida politicamente pelo próprio desconhecimento de militâncias revolucionárias, no que se referisse a assuntos subversivos no Brasil dos anos de 1960. Este desconhecimento político-subversivo de Lygia, naquele momento de tensão social, propiciou a revelação do plano das probabilidades existenciais da mulher, em seu sentido globalizante. Por este meu ponto de vista, Lião simboliza a força e, ao mesmo tempo, a fragilidade da mulher da época, porque, assim como teve coragem para participar de assaltos políticos a bancos, e de sequestros, se torna frágil e medrosa diante da morte da amiga Ana Clara, graças à sensibilidade criativa da escritora.

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