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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES - LITERATURA FEMININA: SÍMBOLO DE AUTOCONHECIMENTO - 8

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES - LITERATURA FEMININA: SÍMBOLO DE AUTOCONHECIMENTO - 8

NEUZA MACHADO

As poucas escritoras brasileiras que deixaram registrados seus escritos literários até os dois primeiros decênios do século XX (por exemplo, Júlia de Almeida), ainda estavam submetidas aos dogmas existenciais que comandavam a realidade social de nosso país, desde o século anterior. É importante esclarecer que todos os escritores, de um modo geral, estavam submetidos às mesmas leis. Antônio Cândido, em uma segura análise sobre os escritores brasileiros, desde o Barroco ao início do século XX, denuncia a chamada fase laudatória e não-questionadora da literatura do período. Em seu artigo “Literatura e subdesenvolvimento”, aproxima os analistas e/ou intérpretes da literatura brasileira das idéias de Mário Vieira de Mello, pensador consciente dos problemas nacionais, o qual destacou as duas fases literárias que predominaram no Brasil, desde a sua descoberta. A primeira fase, segundo a reavaliação de Antônio Cândido, apoiado por sua vez nos pensamentos de Mário Vieira de Mello, caracterizou-se, até o início de 1930, por uma utópica e exaltada literatura, que apenas celebrava as belezas naturais da terra, totalmente despreocupada dos problemas sociais. Somente a partir de 1930, ainda de acordo com Antônio Cândido, nossos escritores passaram a se conscientizar dos insolúveis problemas que existiam de fato, desmitificando assim a idéia antes generalizada de terra bela - pátria grande. A euforia da primeira fase cede o lugar à conscientização de que a pátria bela e grande era, em verdade, um grande e imenso país subdesenvolvido. A partir daí, os escritores passam a olhar criticamente a nossa realidade imediata, desobrigando-se intuitivamente dos modismos estéticos estrangeiros que aportavam por aqui. É verdade que as influências externas ainda podem ser detectadas, mas os autênticos criadores/Artistas souberam reverter o processo de assimilação, premiando-nos com incomparáveis obras que ultrapassaram os limites das questões internas levantadas – questões regionais –, para o âmbito da literatura universal.

No caso específico da literatura de autoria feminina da primeira fase, melhor dizendo, da literatura das poucas escritoras brasileiras dessa primeira fase – a ficção de Júlia de Almeida, por exemplo –, aquelas que ousaram expressar seus pensamentos literariamente, não se observa a já nomeada questão laudatória, ou seja, a idéia de nacionalidade, observa-se mais um sentimentalismo folhetinesco, linear, submetido às normas patriarcais. Tais textos, na verdade, apenas reduplicavam a realidade e compactuavam com as imposições ideológicas do momento, já que essas imposições faziam da mulher um elemento passivo em seu meio social.

Refletir sobre esses textos, aqui, nestas minhas páginas, seria por demais interessante, já que geraria uma infinidade de argumentações contra ou a favor de meus pensamentos teóricos sobre o assunto. Reconheço que há vários e diversificados estudos sobre literatura de autoria feminina no Brasil, e, absolutamente, não quero envolver-me em uma polêmica que ultrapasse o que, antes, foi delineado. Mas, mesmo consciente de que estou a tecer argumentos sobre uma questão delicada, que causa uma variada gama de interpretações, permaneço fiel à minha proposta inicial, em outras palavras esta reflexão teórico-interpretativa se atém a conceitos ligados à Ciência da Literatura/Teoria Literária, mesmo que se observe nela contribuições interdisciplinares, tais como, a Semiologia do Texto Ficcional, a Sociologia, a Antropologia, a Filosofia, pontos de vista que colaboram com o meu próprio conhecimento sobre este assunto suscetível de diversas explicações, em benefício do próprio texto analisado e/ou interpretado.

De todo modo, retomando o assunto principal, aos poucos houve uma conscientização e a escrita de autoria feminina começou a demonstrar uma ostensiva rejeição a um tipo de educação que privilegiava a passividade e a cega obediência das mulheres submetidas ao domínio patriarcal.

A escrita literária feminina passou a simbolizar a busca do autoconhecimento, a partir de um meio de expressão muito particular, o que propiciou revelar os seus mais inconfessáveis questionamentos.

E eis que a década de 1960 se transformou em marco de uma nova era para a emancipação feminina. A partir dos anos de 1960, segundo Elizabeth Badinter, no livro Um é o outro, as mulheres passam a se rebelar contra o domínio patriarcal, buscando uma nova forma de igualdade com o sexo oposto e, ao mesmo tempo, procurando participar ativamente do universo do outro. Segundo a mesma autora, em relação à anatomia – dos anos 60 para cá –, as diferenças não foram levadas em consideração, passando a ser privilegiada, ao contrário, a relação de semelhança entre os sexos. Para Badinter, o que, neste final de século, marca a diferença entre homens e mulheres, é que os homens não podem gestar filhos e, assim, a maternidade continua sendo um atributo da mulher. A antropóloga questiona o poder atual da mulher e as consequências desta mudança acelerada que abalou séculos de domínio patriarcal.

Os estudos de Elizabeth Badinter, evidentemente, se baseiam na emancipação feminina ocorrida nos países do Primeiro Mundo. Nossa anterior realidade de país do Terceiro Mundo, excetuando, evidentemente, alguns núcleos progressistas, revelou ainda ligações com o domínio patriarcal no que diz respeito ao sexo feminino. O tabu da virgindade, por exemplo, existiu e existe, mesmo que algumas pessoas, mais avançadas intelectualmente, digam o contrário. O casamento tradicional ainda é uma solução para a maioria das mulheres que, empregada e emancipada, necessita da segurança sócio-vivencial que o outro oferece. Enfim, posso afirmar que poucas mulheres brasileiras optaram pela liberdade de viverem sem as obrigações sociais e morais que fazem parte do casamento. Mesmo quando há separação, as mulheres ainda buscam um novo relacionamento partilhado, porque não foram preparadas para viverem sós. A maioria trabalha fora do lar, à semelhança do homem, mas sua jornada cotidiana vai além de seu trabalho remunerado, porquanto, além do emprego, há as obrigações do lar (raramente partilhadas com o cônjuge) e os deveres de esposa e mãe. O homem brasileiro continua a exibir o seu papel de provedor principal da família, mesmo que seja a mulher a provedora de fato, e poucos, realmente, colaboram com os serviços domésticos. Se penso com o apoio exclusivo da razão, a chamada emancipação feminina no Brasil não foi completa, ou, se quero ousar e aceitar uma discussão com pensadores contrários, jamais existiu. É importante esclarecer que não estou a referir-me à minoria que já alcançou sua emancipação, mas que ainda luta contra o preconceito. Assim, até o momento, houve aparentes mudanças, porque o mundo mudou, mas os valores patriarcais continuam vigorando sob os escombros da mudança globalizada, na maior parte do país.

Ainda repensando a minha interação com a narrativa As Meninas de Lygia Fagundes Telles, e associando-a à ficção do final do século XX, infiro que os escritores brasileiros – homens ou mulheres – captaram e transformaram sob o predomínio da Arte Literária a verdade social de seu momento histórico. O texto literário, padronizado como Narrativa de Acontecimento — enquanto obra-de-arte —, metamorfoseou a realidade imediata, modificou-a, graças à argumentação que instaurou e, com isto, denunciou as mazelas que estavam submersas nessa mesma realidade feita de aparências e hipocrisias.

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