Quer se comunicar com a gente? Entre em contato pelo e-mail neumac@oi.com.br. E aproveite para visitar nossos outros blogs, "Neuza Machado 1", "Neuza Machado 2" e "Caffe com Litteratura".

sábado, 8 de janeiro de 2011

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES - DIFERENTES PONTOS DE VISTA / DIFERENTES NÍVEIS DE REALIDADE - 9

AS MENINAS DE LYGIA FAGUNDES TELLES - DIFERENTES PONTOS DE VISTA / DIFERENTES NÍVEIS DE REALIDADE - 9

NEUZA MACHADO

Em As Meninas, de Lygia Fagundes Telles, descobre-se um narrador em terceira pessoa diluído entre as várias vozes narrativas que se entrelaçam. Esse narrador, quase invisível, indiscutivelmente alter ego da escritora pós-moderna, se abstém de se colocar como narrador principal (o que seria uma característica do narrador experiente, porta-voz de normas ideológicas) e se mantém oscilando entre os diferentes pontos de vista de suas narradoras em primeira pessoa e diferentes níveis de realidade: o objetivo, o delirante, o ficcional. Esse narrador sui generis se contempla procurando apreender o caos que o cerca, por intermédio de sua própria observação e análise dos acontecimentos políticos de seu momento histórico. O narrador principal holisticamente e criativamente a realidade que o cerca, ou seja, é ele mesmo o representante do próprio alter ego ficcional de quem o concebeu literariamente. O ato de ver e reinterpretar a realidade (aqui, sinalizando a escritora do final do século XX) coloca-se fora do mundo localizado no imaginário-em-aberto, mas por outro lado está situado intuitivamente no plano das probabilidades vitais. O narrador, enquanto alter ego ficcional, está também momentaneamente envolvido com uma realidade ordinária incômoda, que necessita de sentido e de presença. A escritora, agora detentora de um novíssimo poder no âmbito da Literatura-Arte – a técnica do olhar, oriunda do noveau roman francês –, apodera-se dos textos informativos-paraliterários (crônicas da época, textos de jornais, casos familiares, etc.) e destaca-os como base de sua singularíssima intuição criadora, sistematizando-os, por meio das falas de seu narrador e de suas diversas narradoras, transformando-os em depositários de um enigmático e insólito texto ficcional. Assim, esse narrador em terceira pessoa, resguardado por essas oscilantes camadas intertextuais – os diversos discursos de diversos narradores/as – que permeiam o texto, não se expõe objetivamente.

O grande trunfo desta narrativa de Lygia está exatamente nesta habilidosa retirada de cena do chamado narrador experiente, aquele representante das comunidades fechadas do passado do qual nos fala Walter Benjamim. Para Walter Benjamim, o narrador das comunidades fechadas do passado se colocava como porta-voz da ideologia subjacente em sua comunidade, aconselhando, instruindo, impulsionando os mais jovens em seus atos de bravura e coragem. O narrador moderno (assim como o pós-moderno), ao contrário, ainda nos referindo aos ensinamentos de Benjamim, foi obrigado a se adaptar a um novo mundo que estava reformulando seus próprios conceitos ideológicos em acelerada velocidade. Graças a esta aceleração histórica, o narrador dos novos núcleos sociais da Era Moderna viu-se obrigado a reformular, por sua vez, a sua própria forma de narrar. Surgiu, daí para frente, a figura de um narrador inseguro, caracterizado por um discurso narrativo problemático, no qual se apreende a sua própria desorientação verbal e que, por sua vez, caracteriza também a sua própria desorientação existencial, como representante de fato daquele que o idealizou, submetido às exigências sócio-substanciais de um mundo fragmentado, sem alicerces, totalmente despreparado para enfrentar o porvir. Assim, narrador e Artista modernos (apesar das idéias contrárias de Roland Barthes afirmando que “o narrador é um personagem como outro qualquer”) estão, segundo meu entendimento, simbiosamente unidos por circunstâncias históricas. O narrador do século XX continua a ser personagem no âmbito da narrativa, como o quer Barthes, mas, não pode se desvencilhar da face ficcional de quem o direciona nos caminhos tortuosos de uma realidade desordenada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário